Paródia precisa de autorização? Entenda a polêmica com a música ‘Empire State of Mind’ na voz de ‘cantora de IA’

A internet brasileira ganhou uma nova estrela – e ela não é de carne e osso. Criada em 2024 pelo designer Gustavo Sali, a artista fictícia Tocanna viralizou ao lançar uma paródia sertaneja de “Empire State of Mind”, sucesso de Jay-Z e Alicia Keys. No lugar do famoso “New York”, a canção foi adaptada para “São Paulo”, em uma versão que dividiu opiniões e conquistou as redes sociais, especialmente no TikTok e no Instagram.

O sucesso foi tão expressivo que a música alcançou milhares de reproduções e gerou versões em francês e espanhol. No entanto, a repercussão também trouxe complicações: a gravadora Roc Nation, de Jay-Z, solicitou a retirada da paródia das plataformas digitais, alegando violação de direitos autorais.


O que diz a lei sobre paródias

A legislação brasileira prevê uma exceção para paródias. De acordo com a advogada Giovanna Vasconcellos, do escritório Ambiel Bonilha Advogados, o artigo 47 da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998) autoriza a criação de paráfrases e paródias sem a necessidade de autorização do autor da obra original, desde que não sejam simples reproduções nem depreciem o trabalho original.

“Embora a paródia em si seja permitida, a ausência de indicação dos autores de Empire State of Mind caracteriza desrespeito aos direitos morais, legitimando o pedido de retirada da obra das plataformas digitais”, explica Vasconcellos.

A especialista destaca que, no Brasil, não há punição direta para quem cria uma paródia sem consultar os autores. Porém, se houver desrespeito aos direitos morais – como deixar de creditar os compositores ou distorcer a obra de maneira ofensiva – o responsável pode ser acionado judicialmente.

A advogada Victoria Dias, também do Ambiel Bonilha Advogados, reforça que a paródia deve ser transformadora e não pode se confundir com uma cópia. “Mesmo sem fins lucrativos, é preciso respeitar a criatividade, a integridade e a paternidade da obra original, sob pena de gerar conflitos legais”, aponta.


Inteligência artificial e música: um desafio em aberto

O caso de Tocanna levanta outro debate relevante: os limites do uso da inteligência artificial na criação musical. A artista virtual ganhou vida digitalmente, sem uma voz humana por trás, o que abre questões sobre autoria e proteção legal.

Segundo Vasconcellos, a legislação brasileira protege apenas a criação humana como obra autoral. Conteúdos gerados integralmente por máquinas não são reconhecidos como de autoria protegida. “Se o resultado depende apenas da máquina, não há respaldo legal para reconhecer autoria. Mas, se o comando envolver escolhas criativas humanas relevantes, abre-se espaço para discussão”, explica.

A polêmica não é exclusiva do Brasil. A Confederação Internacional de Editoras de Música (ICMP) já criticou o uso de catálogos musicais inteiros por empresas de tecnologia para treinar sistemas de IA sem autorização ou remuneração. O entendimento é que essa prática pode configurar violação massiva de direitos autorais.


A fronteira entre inovação e legalidade

A ascensão de Tocanna mostra o poder da combinação entre música e inteligência artificial, mas também os dilemas jurídicos que acompanham essas inovações.

No Brasil, a lei não proíbe paródias, mas exige que se respeite a autoria e a integridade da obra original. No caso das produções com IA, o desafio vai além: falta regulamentação específica que trate sobre a autoria de conteúdos gerados por máquinas.

Enquanto não há consenso, artistas virtuais como Tocanna continuarão a levantar discussões sobre criatividade, direito autoral e os limites da tecnologia no entretenimento.

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