Declaração sobre os atos de 8 de janeiro gera vaia em show de Contagem e provoca cancelamento de apresentações no sul do país
Uma declaração política do vocalista Nasi durante um show realizado no dia 29 de março, em Contagem, Minas Gerais, gerou uma reação em cadeia que culminou no cancelamento de apresentações da banda Ira! em cidades da região Sul do Brasil. O episódio expôs a tensão entre posicionamentos públicos de artistas e parte de seu público, em um cenário de forte polarização política no país.
Durante a apresentação, realizada na região metropolitana de Belo Horizonte, Nasi gritou a frase “sem anistia”, em referência à campanha que defende a punição dos responsáveis pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília. A declaração foi recebida com vaias por parte do público, o que levou o vocalista a reagir de forma enfática ao microfone.
“Pra vocês que estão vaiando, eu vou falar uma coisa pra vocês: tem gente que acompanha o Ira!, mas nunca entendeu o Ira! Nunca entendeu o Ira! Tem gente que acompanha a gente e é reacionário, tem gente que acompanha o Ira! e é bolsonarista, isso não tem nada a ver, gente! Por favor, vão embora! Vão embora da nossa vida! Vão embora e não apareçam mais em shows, não comprem nossos discos, não apareçam mais. É um pedido que eu faço”, declarou Nasi, em um trecho que circulou amplamente nas redes sociais.
Repercussão e boicote nas redes sociais
A fala do vocalista ganhou grande repercussão digital, provocando reações intensas tanto de apoio quanto de repúdio. Em questão de horas, vídeos do momento começaram a circular em redes como Twitter, Instagram e grupos de WhatsApp, acompanhados de críticas de fãs e internautas que se disseram decepcionados com a postura do cantor.
Foi nesse contexto que surgiu um movimento de boicote, com usuários pedindo que o público deixasse de ir aos próximos shows do Ira! e parasse de consumir os produtos da banda. O protesto virtual rapidamente se traduziu em queda na venda de ingressos e cancelamentos de apresentações que estavam previstas no sul do país.
Embora a banda ainda não tenha se manifestado oficialmente sobre os cancelamentos, fontes próximas à produção confirmaram que a decisão partiu de contratantes locais, que avaliaram o clima de insatisfação como um risco para a realização dos eventos.
Um histórico de posicionamento firme
A reação de Nasi não surpreendeu quem acompanha a trajetória do Ira!. Desde os anos 1980, a banda carrega um histórico de letras contestadoras e um discurso politizado, que sempre dialogou com movimentos sociais e momentos históricos do país.
“Quem conhece a história do Ira! sabe que não é uma banda neutra. Esse tipo de posicionamento faz parte da identidade do grupo, mas agora estamos vivendo um momento em que tudo é lido a partir da lente da polarização”, avalia o jornalista musical Luiz César Pimentel.
Para parte do público, no entanto, o tom adotado por Nasi foi considerado ofensivo e desrespeitoso, especialmente pelo fato de ter sido direcionado a fãs que estavam presentes no show. “Você pode ter suas opiniões, mas não pode expulsar quem pensa diferente do seu próprio show”, comentou um usuário nas redes. Em contraponto, outro internauta escreveu: “O Ira! sempre teve lado. Quem vai ao show e se incomoda com isso, nunca entendeu a banda.”
Clima de tensão no mercado da música
O episódio reacende o debate sobre o espaço do posicionamento político na música e os limites da liberdade de expressão de artistas em tempos de polarização. Além disso, levanta uma discussão sobre a responsabilidade do artista com o seu público — e vice-versa.
Nos bastidores do mercado, produtores e empresários analisam o caso com cautela. Há quem veja no episódio um alerta sobre os riscos de manifestações políticas em cima do palco, especialmente em regiões onde há forte presença de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Existe hoje uma expectativa de que o artista seja uma figura pública neutra, o que nem sempre é possível ou coerente com a história dele. Mas a reação do público também é um sinal de como a sociedade está dividida”, avalia a produtora cultural Fernanda Borges.
Silêncio oficial e continuidade parcial da agenda
Até o momento, nem a assessoria da banda nem o próprio Nasi divulgaram uma nota oficial comentando a repercussão do caso. No entanto, a agenda de shows do Ira! foi atualizada discretamente, com a retirada de datas no sul do país. Apresentações em outras regiões, como Sudeste e Centro-Oeste, seguem confirmadas.
A ausência de um posicionamento formal indica uma tentativa de conter a escalada do conflito, mas também pode ser lida como uma escolha estratégica diante do impacto do episódio na imagem da banda.

Fãs seguem divididos
Enquanto os cancelamentos geram frustração em parte do público, especialmente aqueles que aguardavam as apresentações, outros apoiadores reforçam a identidade politizada do grupo. “O Ira! é resistência. Quem se incomoda com isso não deveria estar ali”, disse um fã em uma publicação no Instagram.
Em meio à controvérsia, a banda continua em evidência, agora não apenas pela música, mas pela discussão mais ampla que levanta sobre arte, liberdade e responsabilidade social.